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São as petrolíferas as principais responsáveis pela inflação?

A inflação é um dos temas do momento. Não só pelo impacto que tem na vida das pessoas, mas também pelo impacto das medidas tomadas pelos Bancos Centrais para a combater.

Os consumidores estão a sentir o impacto da elevada inflação, enquanto os Bancos Centrais estão a subir as taxas de juro para controlar a mesma, encarecendo o custo para quem tem créditos. Portanto, à medida que o custo de vida sobe e o poder de compra diminui, as famílias estão a ter cada vez mais dificuldades para fazer face às despesas.

Por conseguinte, muito se tem falado sobre o que está na origem desta inflação. Como já explicámos no artigo “A caminho da Estagflação” (escrito em Fevereiro de 2022), a crescente tendência de desglobalização e protecionismo, a balcanização e reajuste de grandes cadeias de abastecimento (como está a acontecer com o atual conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia), o envelhecimento demográfico, a “guerra comercial” sino-americana e, acima de tudo, as políticas expansionistas adotadas pelos Bancos Centrais nos últimos anos para estimular a economia são alguns dos factores por detrás da subida nos preços dos bens e serviços.

Contudo, são os preços da energia aqueles que têm servido de base para justificar a subida generalizada dos preços. Desde a Segunda Guerra Mundial, as variações no preço do petróleo têm sido um grande obstáculo ao crescimento económico. À medida que a guerra na Ucrânia continua, as perspetivas futuras para o mercado de energia continuam longe de ser claras porque vários fatores geopolíticos podem influenciar a qualquer momento os movimentos dos preços do petróleo.

É por isso crucial conhecer as origens por detrás das variações no preço do petróleo bruto, assim como os seus mecanismos de transmissão na economia, para poder entender os efeitos destas variações na inflação.

Começando pela “lei da oferta e procura” nos mercados financeiros, é a interação entre os compradores e os vendedores (sobretudo a OPEP) que determina o preço do petróleo em cada dia. Com a invasão russa da Ucrânia, houve um abalo significativo na cadeia de fornecimento de energia no mundo, afetando a oferta de petróleo e causando efeitos significativos, quer na inflação, quer no crescimento económico. 

Relativamente aos mecanismos de transmissão do preço do petróleo bruto para a inflação, podemos distinguir entre:

1-    efeitos directos de primeira ordem nos consumidores: aumento das facturas energéticas, especialmente nos combustíveis;

2-    efeitos indirectos nos produtores: aumento dos custos de produção de bens e serviços que usam produtos petrolíferos como insumo;

3-    efeitos de segunda ordem relacionados com as expectativas dos consumidores e produtores: afectam os planos de investimento e consumo.

Não há consenso sobre a natureza dos efeitos positivos/negativos de um aumento do preço do petróleo sobre a inflação. Por um lado, os movimentos ascendentes no petróleo originam mudanças na receita discricionária das pessoas, ou seja, o dinheiro disponível para gastar depois de pagar as contas de energia diminui. Estas mudanças na receita levam à diminuição na procura de bens e serviços por parte dos consumidores, provocando a queda dos preços dos bens e serviços. Por outro lado, os efeitos indirectos provocados pela subida do preço do petróleo bruto originam o aumento dos custos de produção de bens e serviços que utilizam energia nos seus próprios processos produtivos, provocando uma subida nos preços desses bens e serviços para compensar o aumento nos custos.

Composição do cálculo de inflação

Todos os bens e serviços consumidos pelas famílias ao longo do ano são representados por um “cabaz” de artigos. Cada um dos produtos incluídos no cabaz tem um preço, que pode variar com o tempo. A taxa de inflação homóloga é o preço do cabaz completo num determinado mês, comparado com o seu preço no mesmo mês do ano anterior.

De acordo com a imagem acima é possível observar que o peso da energia no cabaz total de produtos que fazem parte do cálculo da inflação na zona euro é de 10,9%. Se decompusermos a componente da Energia, constatamos que os combustíveis têm uma ponderação de 4,4% no cálculo da inflação. Agora, esta ponderação tem apenas em conta o efeito directo do preço desta matéria-prima na economia global. Se tivermos em conta os efeitos indirectos e os efeitos de segunda ordem relacionados com as expectativas geradas, este peso é muito superior.

Com base nos dados mais recentes da inflação, a mesma encontra-se nos 10,1% na Zona Euro e nos 9,6% em Portugal. Contudo, se olharmos para os preços do petróleo bruto, no momento em que escrevo este artigo o preço do petróleo está nos 74$, valor bem abaixo do registado na altura em que a guerra começou, quando estava a cotar nos 92$ por barril. Em simultâneo, os combustíveis voltaram para os mesmos valores de há um ano.

Com base nestes dados é possível constatar dois factos:

1- o preço dos combustíveis apenas influenciou o preço dos bens e serviços quando estava a valorizar;

2- a inflação atual é poder de compra que se perdeu e é irrecuperável, independentemente dos preços dos combustíveis no futuro.

O primeiro ponto representa o “lucrismo” corporativo, onde grandes petrolíferas, grandes farmacêuticas, grandes empresas de alimentos, entre outros, estão a arrecadar lucros astronómicos agora que estão muito acima do que precisam para pagar as suas despesas.

De acordo com um relatório divulgado pelo Subcomité de Política Económica e do Consumidor do Comité de Supervisão nos EUA, muitas indústrias aumentaram os seus lucros vertiginosamente nos últimos dois anos, aproveitando a incerteza causada pela pandemia e outros eventos como a invasão da Ucrânia pela Rússia, para prepararem o terreno para “aumentos excessivos nos preços praticados”.

Ou seja, os preços dos bens e serviços no geral acompanharam o aumento dos gastos em alguns casos, contudo, com os combustíveis a recuar, isso já não se vai refletir com uma queda nos preços dos bens e serviços, dado que ninguém vai querer abdicar da sua margem para compensar a inflação existente. Inflação essa que poderia de forma concertada ser desfeita.

Relativamente ao segundo ponto, referimo-nos ao facto de a inflação futura ter como base de cálculo o período homólogo. Isto significa que, no futuro, a inflação que tivermos vai ser sobre os preços atuais, os quais já apresentam aos dias de hoje uma inflação histórica face há um ano. Quer dizer que a inflação atual a que assistimos no preço dos bens e serviços já não vai desaparecer. O que vai acontecer é que no próximo ano as expetativas são para uma inflação mais baixa, ou seja, os preços no geral vão continuar a subir, mas a um ritmo mais lento. Agora atenção, os preços não vão cair, mesmo com o preço do petróleo a voltar para baixo, senão estaríamos a falar de uma deflação.