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Bancos Centrais: um hino à fraude e ao confisco

Algo está profundamente errado nos bancos centrais e com o sistema monetário, atendendo que os Alves dos Reis de serviço, como Draghi e Merkel, são enaltecidos desta forma.

Desde a crise financeira de 2008, as intervenções e artigos de opinião em louvor de banqueiros centrais é uma constante!

Em 2009, o panegírico do ex-presidente da Reserva Federal norte-americana, Ben Bernanke, chegou ao cúmulo de o nomear: o Homem do Ano (Revista Time, 2009)! Em Outubro do presente ano, com a saída de Mario Draghi à frente do Banco Central Europeu, a imprensa anunciava aos quatro ventos: “Draghi…o salvador do Euro”. Os políticos também se juntaram à apologia: “A Zona Euro – apesar dos problemas – é agora mais robusta do que foi durante a crise de dívida soberana” (Angela Merkel, 28-10-2019).

O leitor acha trivial que um simples técnico, mesmo com o estatuto de Governador, nomeado por políticos e sem qualquer legitimidade democrática, que se limita a imprimir dinheiro sem qualquer freio, seja idolatrado desta forma?

À excepção de regimes comunistas ortodoxos – por exemplo, a Coreia do Norte – , existe algum sector de actividade, em que um simples técnico tenha a capacidade de determinar o preço (taxa de juro) e a oferta (crédito e massa monetária em circulação)?

Algo está profundamente errado nos bancos centrais e com o sistema monetário, atendendo que os Alves dos Reis de serviço são enaltecidos desta forma. Como aqui chegámos?

No meu entender, o dinheiro é um bem económico distinto dos demais: apenas serve para intermediar uma troca. Para o ilustrar, vamos supor que o leitor vai ao teatro e deixa o seu casaco no bengaleiro; em troca, tal como os outros espectadores, recebe uma ficha. É garantido que no final da representação teatral o leitor irá recolher o seu casaco, mediante a entrega da ficha. No caso do dinheiro, tal não acontece. Na maioria das vezes, as pessoas não o convertem, atendendo que o deixam no bengaleiro (banco).

Hoje em dia, apenas uma pequena parte dos clientes de um determinado banco converte o seu extracto em notas; cada vez menos, em resultado da digitalização da economia. Antigamente, esta conversão realizava-se em metais preciosos.

Desde muito cedo, os banqueiros aperceberam-se deste fenómeno, em particular quando a moeda era ouro ou prata. Assim, quando o cliente ia ao banco A, entregava o ouro e recebia um crédito no extracto ou notas emitidas por esse banco. Com o decorrer do tempo, ao adquirir prestígio junto da comunidade, os clientes, em lugar de converter as suas notas em ouro, limitam-se a realizar pagamentos e transferências, atendendo que confiam na sua equivalência no metal precioso, bastando a sua entrega no balcão do banco A para o obter.

Com este esquema, estava aberto o caminho para a prática do notável sistema de reservas fraccionadas; em que consiste? Como toda a gente confia nas notas, o banco A passa a poder conceder crédito a empresários e consumidores, mediante a emissão de notas, sem a existência do ouro correspondente; podendo, por esse empréstimo, cobrar juros! Isto é, gera inflação e cobra juros, passando a existir maior quantidade de moeda em circulação.

Algo está profundamente errado nos bancos centrais e com o sistema monetário, atendendo que os Alves dos Reis de serviço são enaltecidos desta forma. Como aqui chegámos?

A existência do livre mercado limita esta actividade fraudulenta; e porquê? Vamos supor que abre um concorrente, o banco B, que decide não realizar esta prática. Desta forma, é quase certo que uma parte das notas do banco A sejam depositadas no banco B. Este, em determinado momento, pode solicitar ao banco A a conversão dessas notas em ouro, causando um grave “embaraço” a este último, atendendo que não pode honrar em ouro o compromisso que assumiu quando emitiu as notas. Qual foi a solução encontrada? Promover a criação de um banco central para coordenar esta actividade, assegurando que todos implementam o sistema de reservas fraccionadas na mesma proporção – por exemplo, apenas 10% dos depósitos à ordem devem estar assegurados por reservas.

Neste momento, podemos colocar a seguinte questão: como foi possível legalizar tal prática?

Se algum de nós, comuns cidadãos, decide imprimir notas falsas e as utilizar para adquirir bens e serviços, corre o risco de ir parar à prisão. E muito bem, no meu entender; pois trata-se de uma agressão à propriedade privada, atendendo que o detentor da máquina de imprimir notas falsas passa a deter um poder aquisitivo sobre os bens e serviços produzidos pela sociedade superior aos demais; além disso, estes últimos têm que produzir algo para a sociedade, tal como oferecer a sua força de trabalho ou produzir um bem ou serviço, para receber dinheiro em troca, enquanto o falsificador não necessita de passar por esta labuta!

Há séculos atrás, a inflação, através de reservas fraccionadas, foi legalizada, em particular pela necessidade de financiar guerras. Desde sempre, uma actividade custosa, pois confiscar os cidadãos através de impostos sempre foi impopular: o tirano era facilmente identificado! Por outro lado, emitir dívida apresentava os mesmos resultados, atendendo que a conta era igualmente exibida, com a necessidade de pagar juros e capital. A melhor solução era, foi, e é a inflação.

Trata-se de um processo que permite confiscar os cidadãos de forma sub-reptícia, com um impacto muito negativo sobre os mais desfavorecidos, atendendo que quando a massa monetária emitida lhes chega às mãos, os preços, entretanto, já subiram.

Desde sempre, a aliança entre a classe política e os banqueiros foi necessária, dado que os primeiros tinham de suportar enormes custos associados às suas guerras e os segundos necessitavam de “uma máquina de inflação para conceder crédito”, que não implicasse pagar a depositantes, isto é, através de reservas fraccionadas. Nas últimas décadas, a principal necessidade dos primeiros modificou-se: agora, importa vencer eleições, através de gastos sociais para comprar votos. Assim, a inflação é algo “com barbas”!

Diocleciano, o famoso imperador romano, diminuiu o conteúdo do metal precioso das moedas, causando a subida vertiginosa dos preços. Depois, como sempre acontece, culpou os famosos “especuladores” e emitiu o seu insigne édito, que indicava o preço máximo a que um determinado produto podia ser vendido. O criminoso ainda ditava lições de moral!

Na idade média, os cobradores de impostos dos soberanos raspavam as bordas das moedas para obter metal precioso, podendo, por exemplo, por cada 9, obter 10 moedas: outro método inflacionário. Assim, surgiram os risquinhos nas bordas das moedas, para evitar dita fraude.

Na idade moderna, foram criados os bancos centrais, passando estes a deter o monopólio de emitir moeda por contrapartida de metais preciosos. As primeiras instituições deste tipo surgiram em países protestantes, em particular na Suécia, Inglaterra e Holanda. Depois veio a França.

Em 1716, John Law, um escocês, propôs-se a salvar as finanças públicas francesas ao regente de Luís XV. A França estava falida, depois do seu envolvimento na guerra de sucessão espanhola. Para tal, decidiu apresentar algo inovador na altura: o papel-moeda. Este tipo de moeda já existia na Holanda e Inglaterra.

Para esse fim, fundou o Banque Generale, na prática um banco central, e obteve do estado francês o monopólio da emissão de papel-moeda, bem como a obrigatoriedade de liquidação de todos os impostos ao estado nesse mesmo papel-moeda. Segundo ele, o problema era a falta de dinheiro. Era preciso mais! Assim, “estimulou” a economia, deixando boquiabertos os membros da corte com o seu sucesso inicial.

Desta forma, em 1718, o estado francês atribuiu-lhe o monopólio do comércio estrangeiro, através da companhia do Mississípi, obviamente, fundada por John Law. O preço inicial das acções desta empresa foi de 500 livres por acção. Posteriormente, o seu preço foi “estimulado” pelas compras realizadas através de notas emitidas pelo seu fantástico Banque Generale, entretanto renomeado Banque Royale, um nome mais altissonante. Claro está, que a subida vertiginosa do preço das acções atraiu o grande público, interessado, como sempre, em tornar-se milionário em poucos dias e sem esforço. O seu preço atingiu um máximo histórico de 11.100 livres por acção em Janeiro de 1720, uma valorização de 2120%. Em Fevereiro de 1720, o próprio Luís XV vendeu 100 mil acções da companhia do Mississípi por 9 mil livres. A partir dessa data, a queda do preço foi vertiginosa, até a falência completa no final de 1720. A riqueza criada por inflação sempre termina desta forma!

No século XIX, os bancos centrais utilizaram outras técnicas para inspirar confiança nas suas notas, utilizando expressões em latim ou do tipo: “Em Deus confiamos”, impressa nas moedas norte-americanas desde 1864.

Mais uma vez, foi uma guerra a pôr fim ao padrão-ouro: a guerra do Vietname. Esta obrigou Nixon, em 1971, a eliminar a convertibilidade do dólar norte-americano em ouro, dando origem ao actual poder descontrolado dos bancos centrais. A inflação deixou de ter limites. Nas últimas décadas, para além da guerra, este poder foi utilizado para financiar as despesas do Estado Social. Para comprar votos, a classe política promete subsídios e benefícios que não podem ser pagos por impostos. A inflação, mais uma vez, é o método preferencial. Desde então, o sistema monetário é crescentemente extravagante.

Animados por dinheiro praticamente grátis, a classe política dos diferentes estados compra vitórias eleitorais e anuncia estímulos à economia sem cessar: o dinheiro sempre aparece! No momento em que ninguém está interessado em comprar as obrigações emitidas por esses estados, excepto a uma taxa de juro extravagante, lançam-se vitupérios aos “mercados” e aos “especuladores”.

Seguidamente, aparece o salvador, o Banco Central, o verdadeiro ilusionista, que anuncia a compra dessas obrigações ao ritmo de X mil milhões de Euros por mês, por contrapartida de moeda emitida por ele mesmo! Estas compras, através de inflação, são justificadas ao abrigo de algum programa com o propósito de estimular a economia ou suportadas na implementação de alguma ferramenta monetária inovadora (“quantitative easing”). A criatividade para inventar nomes ao mesmo embuste não tem limites!

Com o anúncio do “Redentor”, os bancos comerciais e demais especuladores apressam-se a comprar estas obrigações, pois sabem que existirá um “temerário”, neste caso, o Banco Central, que as irá comprar a um preço superior! Gera-se uma subida vertiginosa do preço, em alguns casos, superior a 1000%. Esta subida permite descer a taxa de juro paga pelos estados na emissão de dívida; de tal forma, que se torna negativa!

Em determinado momento do processo, o Banco Central torna-se o principal proprietário da maioria das obrigações vivas detidas pelos Estados. No momento de pagar os cupões (juros), a maior porção dirige-se ao banco central. Este, no final de cada ano, anuncia grandes dividendos! E a quem são pagos? Ao seu accionista, o Estado. Ou seja, para além de receber juros por emitir dívida – juros negativos -, não paga grande parte dos cupões correspondentes aos juros! Se isto não é magia, o que é magia?

Para propagandear este enredo, recorre-se ao culto de personalidade: os banqueiros centrais são absolutos génios ao nosso serviço! Para justificar as suas acções junto do público, afirmam perseguir um objectivo de inflação de 2%/ano, um número mágico! Entretanto, ninguém se questiona sobre a razão de ser deste valor: porque não 1%? Ou 3%? Ou 4%? Pelo caminho, esta meta nunca é alcançada, pois o índice de inflação é confeccionado por um organismo estatal, igualmente controlado pelo estado em apuros. Em paralelo, os preços das casas, das refeições, dos carros, da gasolina, disparam, em particular o preço dos activos financeiros, como as acções e as obrigações, detidas pelos mais ricos, sem nunca se reflectirem no índice de preços! A maldita inflação nunca aparece, anda escondida, como as bruxas!

Posteriormente, um dos ajudantes do génio culpa os aforradores pela existência de taxas de juro negativas: estão a poupar demais! A culpa seguramente não é do Banco Central. Este é completamente alheio à determinação de taxas de juro negativas e à compra de obrigações sem olhar a meios. Ao mesmo tempo, assevera: “Eu não posso solucionar tudo sozinho!”, incriminando os estados que o elegeram por falta de estímulos orçamentais, dando a entender que é completamente independente.

No caminho para o abismo, a dívida pública não pára de subir, atingindo níveis estratosféricos; os juros, em lugar de subirem, descem: o contrário do que acontece a um devedor que está mergulhado em dívidas! Para refrescar o elenco, o génio de serviço é substituído por outro artista de enorme talento. Na sua entrada triunfal anuncia: ainda não chegámos ao fundo, se necessário, ainda vamos mais fundo. Por outras palavras, em lugar de taxas de juro de -1%, podemos ir a -4% ou -5%!

Estimado leitor, por quanto tempo mais teremos de assistir a esta tragicomédia? Será que este ardil, cada vez mais sofisticado, nunca será exposto?

É desta forma que se dá cabo da poupança das pessoas, ao mesmo tempo que se beneficia quem tem acesso à alavancagem financeira. E só alguns têm acesso ilimitado a essa alavancagem sem correr riscos. Ao contrário do leitor que encontra nos mercados financeiros uma das poucas formas de lucrar com esta inflação, contudo, ao contrário dos Estados, terá de correr riscos para isso. E a única forma de poder controlar os seus riscos, é formando-se em bolsa!